
Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma.
Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)
O poema de Fernando Pessoa nos convida, com delicadeza e firmeza, a fazer as pazes com o presente. Vivemos muitas vezes aprisionados pelo desejo de saber o que vem depois, qual será o próximo passo, a próxima fase, a próxima resposta. Mas a verdade é que a única estrada sob os nossos pés é a que temos agora.
Na Terapia Cognitivo-Comportamental, aprendemos que o sofrimento muitas vezes nasce de pensamentos disfuncionais sobre o futuro, previsões catastróficas, suposições rígidas e cenários irreais. A Logoterapia, por sua vez, nos lembra que o sentido da vida não está no que ainda virá, mas na responsabilidade que assumimos pelo momento presente, mesmo diante do mistério do que há além da curva.
O que devemos de fato perceber é que viver o momento atual não é passividade, mas sim um exercício de sabedoria: conhecer a realidade como ela é, aceitar com humildade o que se apresenta hoje, e agir com liberdade, sem ansiedade por controlar o que ainda não é.
Então, que tal dar um passo de cada vez?
Há beleza suficiente na estrada antes da curva.
E talvez, ao trilhá-la com consciência, fidelidade e coragem, descubramos que o castelo ou o poço estavam já em nós ou no modo como caminhamos.